Não se justifica usar dinheiro público para um jogo

A Friends of Angola esteve em Berlim recentemente no “World Liberty Congress”, um fórum contra a cleptocracia e a ditadura. O diretor da ONG angolana de direitos humanos trouxe na bagagem, entre outras coisas, denúncias de corrupção, detenções arbitrárias de presos políticos, fome, adiamento das autárquicas e, claro, o jogo da discórdia: Angola vs Argentina.
Florindo Chivucute acredita que os angolanos não se vão esquecer da sua miséria durante os 90 minutos da partida e confia na resposta do povo nas eleições de 2027.
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DW África: O encontro aconteceu pela primeira vez no Parlamento alemão, numa altura em que o autoritarismo cresce também na Europa. Quais as principais preocupações que o trouxeram a Berlim?
Florindo Chivucute (FC): A questão das eleições que temos tido, infelizmente, eleições não transparentes em Angola e que nos preocupam, sobretudo numa fase em que estamos a aproximar o processo eleitoral de 2027. Também a questão da corrupção, que tem sido o cancro da nossa sociedade, incluindo também a situação dos presos políticos, que tem aumentado significativamente em Angola, nos últimos anos.
No entanto, também falámos sobre os gastos exorbitantes desta partida entre Angola e a Argentina. Não é que esteja contra a partida, mas estamos contra os gastos avultados. Segundo a comunicação social, mais de 20 milhões de dólares estão a ser gastos com dinheiros públicos, numa fase em que os angolanos estão a viver momentos muito difíceis.
Estamos a falar da fome. Quem está ao nosso lado diz que as famílias angolanas estão a empobrecer nos últimos dez anos, com a falta de acesso à educação, incluindo ao ensino primário, o que tem deixado centenas de crianças fora da escola, crianças que, pela primeira vez, estavam a frequentar as escolas. Não estão a ir porque, segundo o executivo angolano, não há recursos suficientes.
No entanto, os problemas continuam. Só quem não anda não vê. Centenas de famílias continuam sem água potável, com serviços médicos também debilitados e, certamente, sem medicamentos. Com uma série de problemas socioeconómicos não se justifica o uso do dinheiro público para uma partida de futebol, quando precisamos resolver os problemas sociais.
DW África: Em relação à polémica partida de futebol, parece que os apelos ao boicote foram parcialmente ignorados. Considerando a lotação do estádio para o jogo desta sexta-feira, acha que os angolanos se vão esquecer da sua miséria durante 90 minutos?
FC: Não, certamente que não. Mas esta é uma tática muito comum em países autoritários: o uso do futebol para desviar a atenção da população. Isso foi discutido no Parlamento alemão, onde estivemos reunidos durante três dias.
“Com uma série de problemas socioeconómicos não se justifica o uso do dinheiro público para uma partida de futebol”, comenta Florindo ChivucuteFoto: HANNAH MCKAY/REUTERS
Os angolanos não se esqueceram. Não será suficiente para apagar os problemas que enfrentam. O que acontece é o contrário. Tem havido uma manifestação muito grande por parte dos angolanos em relação a estes custos avultados. Estamos a falar não apenas dos cidadãos comuns, mas de agentes de vários partidos e as igrejas têm protestado. Portanto, os angolanos não vão esquecer.
Eles vão voltar aos seus bairros e às suas casas, onde não têm acesso a água. Vão voltar aos seus filhos, muitos deles, que infelizmente não conseguiram ou não conseguem ter acesso ao ensino primário.
DW África: A sua visita a Berlim coincidiu com a visita do Presidente da Alemanha a Angola. Temas como os direitos humanos, as tensões políticas e a democracia no país não estiveram em cima da mesa. Como vê a postura dos governos ocidentais perante a crise em Angola?
FC: É lamentável saber que os direitos humanos e a democracia não foram parte da agenda do Presidente da Alemanha durante a sua visita a Angola.
No entanto, penso que tanto a Alemanha como os outros países europeus estão a enfrentar quase o mesmo problema que estamos a enfrentar com a invasão da Rússia na Ucrânia e que, assim, a democracia está em causa e os direitos humanos estão a ser violados todos os dias na Ucrânia.
Mas é importante, sim, começar a haver união entre as democracias. No entanto, uma união que transcenda as questões económicas, para salvaguardar o bem da democracia e dos direitos humanos.
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